matrioska

Há algum tipo de segredo pra mim que permanece inatingível e, no entanto, este fato tem se tornado cada dia mais recorrente. Foi em março deste ano que ganhei uma matrioska. Não o memorável tradicional brinquedo russo, mas um souvenir da Cidade de Abramtsevo. Fato que, fisicamente, se assim o posso dizer, não há diferenças nenhuma entre o objeto como brinquedo ou como um souvenir. Ele pode assumir qualquer uma dessas personalidades (personalidades?). Mas eu não sou russo, e, mesmo que fosse a idade diz que devo voltar meus interesses para brincadeiras mais sérias.

O segredo que eu tenho tentado decifrar tem a ver com o que a matrioska representa pra mim: ela é o tempo concreto metamorfoseado. Contudo, usar as bonecas russas como metáfora pra isso pode levar lhe a pensar, e, também a mim mesmo, no aspecto fundamental que ela compara. A partir de uma boneca oca retira-se uma segunda boneca, menor que a primeira e também oca que, ao ser aberta, da lugar a uma terceira e assim sucede-se até chegar a menor, indivisível.

Mas não tem nada a ver com isto, ou, é este tipo de comparação que eu tenho tentado evitar. Creio que o objeto das bonecas tem sido tão familiarizado pela cultura ocidental que até mesmo uma criança, ao olhar para uma, subentende que dentro da maior há outras menores umas que as outras. Não me ocorre, e não acho necessário para hoje, saber a historicidade disso ou o real motivo deste objeto ter-se tornado tão emblemático no nosso imaginário. Também posso estar equivocado e isto estar incrustado somente em mim.

No entanto, suspeito que tenha muito a ver com as possibilidades das bonecas conterem muitos significados no seu próprio vazio e preenchimento.

Eu vivi poucas tragédias pessoais. Suponho que as maiores tragédias que podem ocorrer às pessoas estejam ligadas à morte. Mas não ignoro inúmeras outras tragédias, como o cotidiano.

No entanto, quero tomar como tragédia os momentos que são ápices, aqueles acontecimentos que são os momentos de maior clímax no conto da nossa vida, e nisto incluo as relações amorosas.

Não pretendo ser esclarecedor e digredir sobre o assunto. O que posso dizer é que sempre que se fala ou conta-se algo, quem diz, diz dois fatos. Há sempre uma história aparente, real, e outra, invisível. Quando alguém contar - lhe alguma coisa surreal ou completamente sem sentido não ignore, suspeite que a pessoa esteja contando a história invisível. E espero que seja sufieciente essa comparação para tornar o que falarei a seguir mais verossímel.

Quando olhamos uma matrioska não imaginamos que ela esteja vazia, embora saibamos que ela seja oca. Ao receber meu souvenir notei que era tão bem feito que a olho nu era impossível notar a abertura. Tão perfeitamente encaixado.

Entretanto a minha boneca russa caiu no chão e ao partir-se, notei, instantaneamente, que ela estava vazia. Uma tragédia!

E o que isso significava? Digo, deveriam existir outras menores?


Um comentário:

  1. muito, muito, muito, muito bom.
    gostei muito, muito do blog
    a gente percebe como você tem uma afinidade maior com as palavras, embora os outros textos também sejam bons. Mas os seus, tiro o chapéu, você não devia estar escrevendo num blog, blog é pra amadores.

    renato

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