O porquê das coisas

Estou com a auto-estima um ponto abaixo da do Kafka. Foi vertiginoso descer a Diagonal catalã. É como naqueles momentos da vida em que tudo acontece tão rapidamente, uma sucessão de acontecimentos e fatos, um depois do outro, no entanto, como ondas a rebentar na praia. Eu tomei um vinho ótimo esses dias; português. Daqueles que deixam a garganta quente e a face corada.
Cheguei em casa e disse: "Não devemos nos ver mais".
Abri uma página na internet e pensei: Publicaram mais um livro sobre Virginia Woolf.
A temperatura tem caído, em função do inverno. Não é aquele tipo de brisa mais fresca a qual estou habituado. É bem mais notável, sente-se nos lábios que fragmentam se o tempo inteiro e o tempo inteiro precisam ser hidratados e nunca é suficiente.

Terminei o vinho e pensei que quando criança eu costumava recorrer a um único modo de alienação. Mas ao recordar dos pormenores vejo que tudo e todas as coisas que fazia era pra evitar o resto. Aos dezesseis anos me libertei da rotina familiar. Ora, fui uma criança criada a Playmobil, Lego e livros musicais da Disney, também brinquei na rua, mas não jogava futebol.
A primeira vez que quis viajar para um lugar mais real que a Lua ou Marte ou, ainda, os ambientes criados pelo plástico dos brinquedos; foi quando recebi, via correio, presentes de Natal do padrinho da minha irmã. Era um livro ilustrado sobre as aventuras de Pato Donald e da Margarida em Amsterdã. Aos 22 anos, já conheço a Holanda. Claro que não fui atrás do queijo gigante que rolava morro abaixo num festival gastronômico ou tulipas e moinhos de ventos. Quis ver Van Gogh e "the way life" na Red Street e experimentar a legalidade, fartar-me de guloseimas alucinogénas e ter a sensação de liberdade que os bares e pubs de Amsterdã vendem aos turistas.
E isso que disse até agora são dados para quem desejar empreender uma explicação mais psicológica ao texto.
O que vem a seguir é o que importa.
Eu escrevo, desta vez, para dizer o porquê das coisas. Não que eu tenha experimentado isso ou tenha tido aquelas experiências incrivelmente reveladoras e sobrenaturais, ou recebido aquelas entidades que pousam sobre poetas vitorianos e os inspiram. Mas pelo fato de querer. Como qualquer um, querer saber. Digo qualquer um para não dizer todo mundo.
Tenho amigos que evitam isso. Um, em particular, diz que não cria expectativas e esta convicto que os motivos e os fatos não interessam. Mas, bendito seja ele, que diz: "Graças a Deus". É uma sorte saber disso, mais sorte ainda é viver uma ilusão coletiva e responder as questões com isso.
Eu acho que é uma adaptação ao meio, mas uma adaptação mais natural que refletida.
Aos quinze anos aprendi que não têm isso de felicidade plena. Lembro que nessa altura li uma matéria na Superinteressante (ela ainda existe?). Era daquelas matérias de capas e na capa branca contrastava uma cenoura e uma palavra em preto, felicidade.
É vergonhoso admitir que aprendi sobre felicidade em uma revista, mas ao longo do tempo confirmei o fato mais gloriosamente.
Não me lembro da matéria, mas lembro me, mais ou menos, da metáfora que o jornalista (oh meu deus, um jornalista) usou para explicar a capa. Ele dizia:
"A felicidade é como uma cenoura presa às costas de um burro por uma vara de pescar. Ela paira frente seus olhos, o impulsiona. Vez ou outra o burro consegue dar uma mordidinha, mas nunca a alcança".
Talvez nem fossem necessárias as aspas. Há quem diga que tudo já foi escrito ou dito uma vez.
Contudo, ler isto, foi me revelador para época. Até que me disseram que minha vida era trivial.
Para mim, eu que aspirava ser uma entidade que bastasse em si mesma, tal qual o poema moderno, cujo significado pudesse irradiar (alguém sabe a regência desse verbo?) em várias direções e cuja constituição fosse um emaranhado de tensões... falsa ilusão adolescente.
Hoje, debruçar-me sobre essa questão tem me elucidado essa lírica obscura, esses estados de consciência anormal e me feito pensar por quê ainda não vivemos outro momento revelador, intenso e novo, sobretudo, novo.
Há cem anos esse mundo tinha um bilhão de pessoas? E agora? Estamos perto de sete vezes mais, a caminhar progressivamente para oito e dez. E somente isso que podemos dizer?
Por que, afinal, Les Fleurs du Mal, ainda são tão contemporâneas? Por que me são tão contemporâneas? Pelo fato de recorrer me heuristicamente a realidade com o fim de comparar e interpretar?
Pelo fato de que ter pensado que estou perdendo minha juventude com esses amores efêmeros e recorrendo a fórmulas antigas e históricas para resolver essas dissonâncias e percalços existenciais; ignorando o doce, o argumento natural, o estranho e a claridade?

Você, ao ler o título teve uma esperança, não foi? Afinal, embora possa viver sem saber, o porquê das coisas é um catalisador da humanidade, não?
Obviamente, eu não o sei. Digo, não sei o porquê das coisas.
Mas eu conheço alguém que sabe, ou pelo menos soube; melhor, chegou a saber.
Nesses anos de Ouro Preto conheci um indivíduo em uma daquelas fraternidades que me contou uma história fascinante.
São poucos que escapam aos subterfúgios alienantes e psicotrópicos desta cidade. Este amigo narrou sua primeira experiência com o chá de cogumelos.
Ele estava num grupo, todos beberam a dose recomendada. Sentaram numa calçada e os efeitos "Lucy in the sky" vieram logo. Meu narrador disse que nativos passaram e perguntaram as horas e ao recorrer ao relógio de pulsos via-o derreter, as horas acelerando e voltando. Serpentes enrolavam-se nos ponteiros tornando-os pesados e cansativos até pararem e ele se encontrar no vazio. Um homem sem face vestindo uma capa negra e indescritível para além disso contou-lhe vários segredos, sem que os perguntasse. Neste dia descobriu mais sobre si mesmo que durante toda a vida. No entanto, o homem sem face prometeu contar-lhe o derradeiro fato. Começou, por assim dizer, de maneira chocante:
"O segredo da vida é."
E antes de ouvir o final, acordou no chão, ensopado. Um turbilhão de vozes, olhos atônitos ao redor, vozes, vozes, vozes...
O fato é que tinha tido uma convulsão e os amigos tinham lhe jogado água na cara e debruçaram sobre ele para que voltasse. Contudo, a empresa deu certo, um segundo muito cedo, ou quem pode dizer, no momento certo.

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