Agosto


Agosto




Nunca permaneço inteiro após um agosto. Acho que é o mês definitivo, aquele em que todas as tensões de um ano se convertem. É o momento em que o ano chega ao limite e se ainda houver forças suficientes, avança em direção a dezembro.
Setembro já vai quase a meio e todos os sentimentos que afluíram em mim durante agosto começam agora a materializar minhas vontades. É tão estranho este momento que me confundo e me desconheço a todo instante, pois há dois segundos sou tomado por uma sensação vexante de agonia, sufoco, afogamento e noutro meus pelos ouriçam, meus olhos vertem em pranto; otimismo e esperança irradiam, uma força avassaladora que expande meus músculos, enrijece meus ossos, metamorfoseia-me em uma fortaleza.
Deixo a condição de Gregor Samsa para me tornar um colosso mitológico.
Pausa.
Acho que acabo de exagerar na comparação; devem ser os efeitos que provavelmente só se amenizarão em outubro. É melhor e mais conveniente encontrar-me em Sancho Pança e também Bentinho.
Enquanto eu observo infindáveis pastos verdejantes, a passarem pela janela do ônibus, vou reinventando esta estrada que me traz de volta. Só hoje entendo meu fascínio pueril pelas estradas. Desde a época que eu não sabia o que eram metáforas, gostava de imaginar que toda viagem era uma mudança, como se, a cada metro avançado por meu pai com o carro, fosse, realmente, um progresso naquela aventura completamente nova, absolutamente desconhecida. É este o poder da estrada, de renovar, automaticamente, o espaço; é a materialização do presente.
Esta ideia fortificou-se ainda mais quando eu entrei em um Boeing e como num chute atravessei o Atlântico; rapidamente tinha mudado o cenário, avançado 4 horas no relógio, diminuído 40° no termômetro e me perguntava – Como não percebi toda esta mudança instantânea?
Certamente este efeito não seria possível de ônibus ou de carro, mas somente com eles poderia viver a viagem na estrada. Foi nesta época, também, que enraizou a ideia em mim, de que somente contornando uma estrada fosse possível voltar ao passado. Portanto, toda estrada, é também, uma máquina do tempo.
Coincidentemente, na minha volta ao Brasil, recebi de presente de um destes amores uma tela com as seguintes inscrições:
Estamos indo sempre para casa, essa coisa de ir de volta não existe, não há regresso.
E desde então, estive angustiadamente influenciado por estas palavras sem sentido. Por mais que eu me afastava mais perto de casa eu estava.
Neste agosto ressurgiu em mim um inquietamento. Acordei formigando pouco antes do meu aniversário e como suspeito da influência de agosto também sobre as outras pessoas, uma sucessão de fatos começou a me desapontar no trabalho, com os amigos, sim, sobretudo com os amigos... Começaram a surgir provas e testes cotidianos que, eu tinha certeza, queriam romper minha resiliência. Eu sei, pois todo agosto é assim. De fato, senti-me vencido muitos dias, mas era um jogo infindável, um martírio. Eu perdi pequenas batalhas mas permaneci incólume; chegava ao fim do dia e resquícios de força começavam a se superlativizar. Era a brecha do inimigo que se retirava propositadamente para me manter vivo. Eu compreendi, tão logo, que estava em um jogo sádico. Tratei de bolar um plano. Fingi continuar como uma resistência, uma guerrilha na selva. Mas o plano mesmo era mudar subitamente; enganar a todos, pegá-los de surpresa.
De repente, eu estava em uma estrada, indo de volta pra casa.

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