O direito à heresia

Volto a escrever depois de tanto tempo pois chegou a hora de ser franco.Eu não desisti deste blog, embora não reconheça mais o propósito dele depois destes dois anos. Não sei, na verdade, para quem escrevo ou o motivo de escrever. Sei que a vida inteira eu escrevi por não ter com quem falar. É isto a melhor coisa que aprendi, escrever. Como em outras épocas difíceis eu fiquei paralisado. A dor estafa o corpo. A injustiça petrifica.


Desde criança, desde quando, democraticamente, eu era obrigado a fazer juramentos perante a bandeira ou rezar o pai nosso na sala de aula eu acreditava que estava seguro ou ficaria seguro para sempre se seguisse o frágil mapa que orienta nossa civilização. Como disse José Saramago “O grande problema do nosso sistema democrático é que permite fazer coisas nada democráticas democraticamente”


Óbvio que eu seria rebelde. Meus pais ainda levantavam as mãos para o céu e perguntavam: ”por que ele é assim, o que fizemos de errado?” Na escola eu levava a sério aquilo que a História dizia sobre democracia, sobre direitos humanos. O meu problema foi nunca entender muito bem sobre utopia. Meu calcanhar de Aquiles foi ser sempre facilmente enganado por estas promessas. Faça isto e se dará bem. Siga corretamente todos estes passos e será feliz, estará seguro, terá seus direitos salvaguardados.


Viramos o milênio e ainda há pessoas que estão completamente certas sobre como se deve viver toda a humanidade. “Este cara aí não acredita em Deus, ok?” “Vou te pedir, mesmo que você não acredite, por favor, não coma carne vermelha na sexta-feira, ta bom?” “Sabe, eu sou apaixonado por ele, é uma pessoa incrível e bondosa, mas não tem Deus no coração”


Há um erro terrível e, no entanto, ignorado neste vasto mundo. Primeiramente, estamos contando nossa época a partir do momento em que dizem ter vindo o Messias para cá. Dois mil e onze depois de Cristo. E é isto que temos. Portanto, não se pode contestar nenhuma das coisas. Podemos, sim, olhar para o passado e dizer, como eram tolos os nossos ancestrais e como somos sábios. Sabemos e vivenciamos o fim, não há mais nada. E este erro sustenta toda a prepotência da humanidade. Infortunado é o homem que enxerga a contradição deste discurso.


Durante todos estes séculos queimaram pessoas, enforcaram, torturaram. Levaram grandes contingentes de mortais a guerrearem. Por que, então, as pessoas continuam a levar tão a sério estes argumentos dolorosos e sangrentos? Porque ainda estão lutando, torturando, excluindo, queimando, julgando pelo o que acreditam ser certo.


Sendo assim, nossa frágil democracia continuará vulnerável. Todos os cidadãos continuarão à deriva neste mundo. Por este mesmo motivo a Carta dos Direitos Humanos continuará a ser somente palavras ao vento e continuará a contar mentiras para crianças como eu.

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