eu quero o que eu realmente desejo?

"Essa história que começo a escrever é ainda mais difícil do que havia pensado”. Por ter me debruçado a vida inteira sobre questões mais ou menos importantes que esta, estive protegido e afastado; de maneira que agora, apenas posso discutir ou falar sobre isto partindo da vaga idéia que a maioria das pessoas tem sobre o tema. Direi de boa vontade aquilo que consigo imaginar e pressupor, com grande confiança na minha consciência, que tenho tentado arredar de todos esses relâmpagos, destes clarões efêmeros sobre os quais toda a consciência da civilização está edificada.

Há poucos dias fui bombardeado com críticas e aplausos quando externalizei o meu desejo mais imediato por agora. Meu coração mais uma vez se inquieta, como se, o aproximar do verão e a elevação da temperatura aqui nos trópicos fizesse o sangue fervilhar e transformar os sentimentos que uma vez catalisaram os desejos e posteriormente foram amenizados por todos os excessos de coisas e acontecimentos que se sucederam após a conquista daqueles sonhos. Cansado, excessivamente abalado por ter em mãos aquilo que gostaria de ter, não consegui entender até agora a troca da ansiedade anterior por outras mais lacerantes ainda.

Eu voltei a minha nação com um sentimento estranho e inexplicável, que não deixou, contudo, de promover nas mentes alheias todos os tipos de explicações e exemplos que me eram dados ou para mortificar minha alma ou, em poucas vezes, para acalentá-la. Nada serviu, no entanto. Eram como clarões de tempestades que penetram até em paralelepípedos, mas que instantaneamente desvanecem com o sobrepujo da obscuridade e da treva.

Este ano parece-me inteiramente perdido. Tenho me perguntando agora o que eu tenho feito senão me dedicado apenas à questões superficiais para tentar explicar o que me atinge no âmago, por ser incapaz de enfrentar aquilo que permanece intocado em mim mesmo.

Tenho me dedicado, espiritualmente, a partir novamente. Porque não fui feito para estar. Não fui feito para ser, apenas. Fisicamente estou aqui e só este fato é por deveras mortificador; sou tomado o tempo inteiro pelo sentimento de que só posso sobreviver e transcorrer paralelamente ao tic tac infinito do tempo com a consciência de que pouco a pouco alcançarei o clímax de parar de ouvir.

Justamente por esta condição, de ter que me reconhecer como existente, mas concordando que não passo de um ser tal qual Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez que foi certamente um modelo de soldado; porém, antipático a todos; sou tomado por este paradoxo existencial que tem pouco de edificador.

Não deve existir em nenhum de nós alguma matéria sólida além de silêncio. Nós somos um silêncio, um ponto de incompreenção fundamental em nós mesmos. Não temos expectativa de deixá-lo completamente claro, só os loucos, e ele nunca será claro. Podemos eventualmente, localizá-lo. Drummond localizou: a pedra no meio do caminho.

No entanto, eu vivo em uma época em que todos os caminhos e contornos estão cartografados, nos livros de auto-ajuda e nos outros subterfúgios. Não há como viver sem silêncio, mas sabemos que nem Macabéa conseguiu enfrentar o vazio e o vácuo criado por aqueles momentos em que estamos diante de outra pessoa e ficamos sem saber o que dizer: - Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?

São essas intermitências que nos enfraquecem individualmente. São estes momentos que permitem aflorar os discursos coléricos, a extrema unção para almas perdidas neste vale desolado chamado realidade. Por isso, todos permitem serem enganados.

Eu, conscientemente, sei que, para onde quer que eu vá, serei silêncio. Mas eu preciso ir.

O meu nome é Wendel. Existem muitos por aí. A origem etimológica da palavra permanece obscura. Meu pai, antropófago e brasileiro de nome Walter, quando criança, ouviu a façanha heroica de um goleiro de futebol pelas vozes do rádio. Aparentemente equilibrado e bem ajustado, subitamente sentiu um estranhamento, uma inquietação e, disse: - Meu filho se chamará Wendel, tal qual este goleiro.

Eu, quando criança, pensei: - Preciso encontrar outro Wendel. Se somos dois, iguais, morremos e vivemos igual. Mesmo arroz e feijão, mesmos desenhos animados, mesmo destino. Vivendo sob o mesmo nome estranho e inexplicável saberíamos como destruir o descompasso entre nós e o mundo.

Meu nome é Wendel. Há muitos por aí, eu sei. Hoje eu descobri que pelo fato de não acreditar na força das palavras EU TE AMO, eu desejo sistematicamente que elas sejam repetidas mais uma vez, mais uma vez, mais uma vez.

6 comentários:

  1. http://savethefreak.blogspot.com/2010/06/resposta-ao-amigo.html

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  2. Ficou muito bom o texto! Muito bem elaborado.
    No entanto, valorize a realidade. Não, ela não é um vale desolado cheio de almas perdidas, de maneira alguma. Essa desolação favorece a criação do idealismo, da grama do vizinho mais verde, dessas coisas estúpidas que seguiram a humanidade durante tanto tempo (e ainda segue); achar que isto aqui, esta terra que piso todo dia, ou a pessoa que odeio, ou a que gosto, ou as galinhas das granjas, ou o câncer, a morte, e tudo o mais é um vale desolado nos sugere, automaticamente, a criação de um deus. E eis a origem de todos os problemas.

    Viver, há coisa melhor? Eu, poder escrever isto aqui, poder conversar com você Wendel, ou poder pegar uma febre e vomitar, poder comer uma macarronada, poder amar os pais (ou odiar), ... Não existe nada de desolado aqui. Existem momentos.

    O conjunto destes momentos chama-se vida, e é uma coisa fascinante. Amando-a, você chega numa luz que brilha, mas não deslumbra; essa luz é a verdade.

    Há de se estar além do bem e do mal, amar a enfermidade. Só com o desprazer você alcança o prazer forte (as intensidades são iguais).

    --

    Quanto ao "EU TE AMO"...

    É estranho, mas eu não tenho vontade dessas três palavrinhas nos meus ouvidos. Talvez porque não saiba o que elas dizem...

    Um abraço,

    J Narowé

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  3. Juan, eu sou atormentado. Mas eu sofro pequenas epifanias com o cotidiano, todos os dias.
    O meu problema é que eu estou cansado de estar feliz. Eu quero é sofrer, mais.
    O problema com a realidade é que “Não sei como correr de minuto a minuto, hora a hora, dissolvendo-se por uma força natural até que formem a massa inteira e indivizível que vocês chamam vida.” http://thescontrolados.blogspot.com/2010/04/digo-isto-neste-momento.html

    Mas vá lá, não posso deixar de te dar razão quanto aos momentos. Que eles existem, sobretudo, eles.

    Eu não rejeito isto. O vale desolado da realidade que eu me referi é o lugar em que minha alma não se encontra com as coisas.

    A realidade! A realidade!

    Não sou um Deleuze que pulou do apartamento em Paris por não ver a realidade. Mas também não teria medo de pular.

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  4. Rá.

    Você é novo, assim como eu.
    Nossa vida ainda vai trazer muito sofrimento, juntamente com muitas alegrias.

    Você não é atormentado, digamos que está.

    Quanto à realidade, vejo que, como Schopenhauer, você não a despreza, mas simplesmente a vê, estou certo? Quem denomina essa filosofia como filosofia do pessimismo é, na verdade, um cego. São os pensamentos contrários à cegueira, são os pensamentos da visão. E aí entra também um camarada chamado Nietzsche, mas não preciso explicar muito, pois você já deve saber, né?


    Eu também sou assim. Mas a amo.

    Amaria mesmo o ser atormentado.

    Ah, o sofrimento...

    Digo com certeza que, em sua vida, seu ponto de vista está fadado à mudar. Assim como o meu.


    PS: Não esquece da minha exposição, visite o blog para saber mais sobre os detalhes; o convite está lá, e as fotos das telas também.
    Quero você na vernissage, hein!!

    Abração!

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